quarta-feira, 15 de julho de 2015

Simone de Beauvoir, aquela rameira.

Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre rindo
acompanhados desse senhor não identificado
durante a visita ao Brasil, em 1960.
Foto: Arquivo O Cruzeiro.


Há 55 anos, Sartre e sua companheira de toda a vida, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir, acompanharam o primeiro ano da então jovem e vitoriosa revolução cubana Intelectual militante.

Sartre foi a Havana, em 1960, a serviço do jornal parisiense France Soir, para escrever uma série de 15 reportagens, de imediata repercussão mundial. Essas reportagens sobre a Cuba revolucionária motivaram um grupo de intelectuais brasileiros a convidar Sartre e Simone. O casal, vindo de ilha, desembarcou em Recife em 12 de agosto de 1960. Foram embora em 21 de outubro, depois de visitar São Paulo, Rio de Janeiro, a Bahia, Minas Gerais, Fortaleza, uma Brasília recém-inaugurada e a Amazônia. 

Por que Porto Alegre e o Rio Grande do Sul ficaram de fora desta incursão de Sartre ao Brasil? 

Para os habitantes de uma Porto Alegre que já recebeu, entre outros, eventos internacionais do porte de um Fórum Social Mundial, é absolutamente inacreditável relembrar o clima de obscurantismo medieval vivido pela sociedade gaúcha nos anos 1950 e 60. Embora alguns mais céticos digam que a situação não tenha melhorado muito desde então, o fato é que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir foram vetados no Rio Grande do Sul, considerados ‘indesejados’. Esta a realidade, dura de engolir até os dias de hoje. E da qual muitos intelectuais que viveram aqueles ‘anos dourados’, pré-1964, procuram fugir como o diabo da cruz.

Em 1958, Leonel Brizola era eleito Governador. Havia efervescência política e cultural, havia um governador nacionalista no Palácio Piratini. Mas a vitória popular dos trabalhistas e aliados não se refletia na mídia, majoritariamente conservadora. E muito menos nos círculos da aristocracia rural e empresarial, com seu ódio cego a marxismos e nacionalismos. E seu desprezo desde sempre pelas aspirações populares. 

Enquanto Furacão sobre Cuba aparecia nas livrarias de Porto Alegre, o furacão ideológico da Guerra Fria aumentava no estado governado por Brizola que, em 1959, cem dias após sua posse, encampou a empresa americana Bond and Share para criar a Companhia Estadual de Energia Elétrica. A direita gaúcha mantinha seu apoio ideológico e de propaganda entre os setores conservadores internos e sua mídia. Ambos na época, como ainda hoje, muito poderosos no Rio Grande. 

É neste momento histórico que a visita de Sartre e Simone ao estado é vetada ‘pelo núcleo acadêmico reacionário com poder decisivo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul’. Era como que uma antecipação dos 21 anos de chumbo que seriam implantados em abril de 1964 no Brasil. 

Sartre e Simone ‘foram impedidos de vir falar em Porto Alegre’, lembra Lauro Schirmer. ‘Deram conferências em várias cidades brasileiras. A vinda à capital gaúcha estava por se concretizar. Mas ficou na dependência de um convite da Universidade Federal. Que para isso reuniu o Conselho Universitário. Pois, para a vergonha da intelectualidade gaúcha, a Universidade Federal não aceitou convidar o filósofo francês. Um dos membros mais temidos do Conselho, o líder católico, professor e ex-senador Armando Câmara, decretou com sua voz tonitroante: 

‘Se esta rameira [Simone] entrar nesta Universidade, eu sairei pela mesma porta para nunca mais aqui voltar’. 

Câmara, voto decisivo na decisão, fez jus à fama de dirigente de movimentos anticomunistas. Católico e moralista, ao impedir a visita foi duplamente coerente: a UFRGS não só não veria universitários debatendo a revolução, como também não aplaudiria um casal anticonvencional, como Sartre e Simone.’ 

Em 2005, 45 anos depois do veto absurdo, Sartre recebeu as homenagens merecidas, de parte dos gaúchos: palestras, sessões de cinema com filmes sobre sua vida com Simone, leituras dramáticas de suas peças. Envergonhados, os intelectuais do Rio Grande procuram esquecer aqueles anos obscuros. 

(Adaptado do texto de Renato Gianuca, publicado no Observatório de Imprensa, em 2005)

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