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Camus comendo feijoada na casa de Oswald de Andrade |
A passagem de Albert Camus por Porto Alegre foi muito rápida. Sua conferência aconteceu no dia 09 de agosto de 1949. Os compromissos – organizados por outros – foram intensos. Certamente não deram tempo espaço a um olhar ou mesmo uma caminhada pela cidade.
As suas lembranças de Porto Alegre foram lacônicas e só vieram a ser conhecidas, com a publicação póstuma de Journaux de Voyage ( Diário de viagem).
Aqueles que primeiro leram, em Porto Alegre , o Journaux se decepcionaram. No "país de indiferença e exaltação", como observou Camus, o leitores talvez procurassem a exaltação da provinciana cidade de Porto Alegre.
O registro que Camus faz é de 9 de agosto. Na viagem de São Paulo a Porto Alegre anotou que “pela primeira vez, pequena crise de falta de ar” revelando sua debilidade pulmonar. Desembarca na cidade “sob frio constante” quando “quatro ou cinco franceses congelados esperam-me no aeroporto. Anunciam que devo fazer uma conferência a noite, o que não estava combinado”.
Logo após a sua chegada, participou de um coquetel com significativa presença de intelectuais de Porto Alegre na sede da Associação de Cultura Franco Brasileira, sendo apresentado pelo professor Jean Roche, adido cultural da Consulado da França em Porto Alegre. Sua observação da cidade é rápida e seca: "A luz é muito bela. A cidade, feia. Apesar dos seus cinco rios”. Observando que “Essas ilhotas e civilização são frequentemente horrendas”.
A seguir, de forma telegráfica, anota sobre a conferência à noite cujo local – o auditório do Instituto de Belas Artes – não suporta o número de pessoas presentes, “chegando a recusar pessoas”. A revista do Globo registra “...um enorme público que lotou inteiramente o auditório do Instituto de Belas Artes".
Quando chega em Porto Alegre, Camus é um homem cansado. “Minha preocupação é ir embora e acabar com isto, acabar com isto de uma vez por todas”.
Na noite de 9 de agosto no Instituto de Belas Artes foi saudado por Érico Veríssimo que inicia sua oração dizendo: “Vós sois uma dos mais claras, belas e corajosas vozes da França de hoje, temperada na forja da Resistência, Vos representais...o homem que ...se encontra oprimido entre um mundo que agoniza e um que nasce”.
Na observação do jornalista da Revista do Globo: “falando de maneira ágil, vigorosa e elegante” sobre o tema A Europa e o Crime”.
Camus enfatiza, na observação do jornalista, que Os homens devem cultivar a honra e a boa vontade, acrescentando que Se por desgraça o escritor fracassa na sua generosa missão, mais vale, enganar-se sem assassinar ninguém do que ter razão no meio do silêncio e das tumbas.
Porto Alegre era uma cidade com cerca de 390 mil habitantes onde o centro ainda exercia certa importância arquitetônica e cultural com o Grande Hotel, o edifício Imperial, a confeitaria Central e os vários cinemas, numa rua calçada com bonitos desenhos dos paralepípedos de granito na faixa de rolamento e não menos bonitos ladrilhos hidráulicos na calçada da rua da Praia e ao longo de seu possível trajeto, ente o então Grande Hotel a Praça da Alfândega, o Largo dos Medeiros, a avenida Borges de Medeiros passando depois pela original e elegante Galeria Chaves e prosseguindo até a rua Senhor dos Passos, onde se localiza o Instituto de Belas Artes A geografia instantaneamente registrada não possuía os elementos de imagem capazes de impressioná-lo, nem mesmo o eixo da curta avenida Sepúlveda, entre a praça da Alfândega em direção ao portão central do porto. Além disso, o tempo de observação foi muito curto, necessário apenas para cumprir compromissos desconhecidos e desagradáveis ao escritor que certamente entrou em Porto Alegre pela avenida Farrapos a partir do antigo aeroporto.
Soma-se a estas circunstâncias o fato notório de Albert Camus não gostar da fisionomia e da fisiologia das cidades. Sobre Nova Iorque é explícito “à primeira vista, cidade horrenda e desumana” acrescentando “Cheiro de Nova York – um aroma de ferro e cimento – o ferro domina”. Sobre Buenos Aires não é diferente “Volta pela cidade – de uma feiura rara”. A percepção de Oram por Camus não é mais amena como se lê nas páginas de A Peste.
Nem tudo, entretanto, foi desagradável. Chamou-lhe a atenção, em Porto Alegre , os “kapotes”, isto é, os ponchos o que era absolutamente normal num dia frio de agosto. Observa, também, que "A luz é bela": aliás, luz típica dos raios de Sol de inverno e sob o domínio do anticiclone subtropical que dá luminosidade e transparência a atmosfera invernal e o belo azul do céu.
No ambiente politicamente tenso da guerra fria, a conferência de Albert Camus não teve conseqüências no incentivo à discussão sobre as relações da inteligência local com o mundo. Os efeitos da ditadura Vargas ainda estavam muito recentes e o intelectuais locais ainda muito vinculados com os empregos públicos. O tema da conferência não provocou nenhum debate ou crítica entre os intelectuais locais. Não passou de um espetáculo para uma inteligência mais preocupada com os pica-paus e os maragatos.
Os comentário ou análises sobre a apresentação de Érico Veríssimo praticamente ignoram a presença de Camus em Porto Alegre. Afinal, numa época de explosões de violência, de acirramento de ódios, o silêncio era a manifestação intelectual cômoda e segura.
Certamente, Albert Camus não serve à época do espetáculo e, nestas condições, o silêncio dos outros foi uma eficiente arma, associada a ruídos, cinismos e metáforas, entre muitas recepções.
A memória não silencia, embora se fragmente: alguns pedaços da juventude, alguns fragmentos de Paris e de obras lidas, num mundo assassino. Persiste. Albert Camus ainda é um bom companheiro.
(trecho do texto de Gervasio Neves, 03/08/2010, http://www.ihgrgs.org.br/)